Era mais um dia normal de verão do início dos anos 2000 e, na época, eu era um acadêmico do curso de Ciência da Computação iniciando a disciplina de Inteligência Artificial (IA), que era uma das principais áreas que tinham me feito escolher esse curso de graduação. Lembro de estar sentado numa das primeiras cadeiras porque já sabia que o professor era genial e que ele não falava bem português … e eu não queria perder nada da aula.
Na primeira aula tivemos uma visão geral sobre IA e todas as possibilidades futuras de aplicação, com alguns livros e filmes de ficção sendo discutidos. Saímos de lá maravilhados com as possíveis pesquisas que poderíamos desenvolver.
Sim! Pesquisas. Isso, porque naquela época se entendia que a IA era algo com um foco muito mais acadêmico e com aplicação reduzida, principalmente pelo baixo poder computacional (comparado com o atual) e até mesmo pela falta de dados de base, cenário que começaria a se alterar ainda nos anos 2000, com a evolução da chamada computação em nuvem (cloud computing), que permitia que fosse possível utilizar plataformas e infraestruturas computacionais como serviço, em que se tinha um grande poder de processamento sem a necessidade de aquisição de hardware.
O tempo foi passando e, hoje, em paralelo à computação em nuvem, se tem a evolução acelerada da telefonia móvel, que permite que cada celular seja composto por uma série de sensores, que coletam e armazenam muitos dados sobre o seu uso e sobre o seu deslocamento diário, por exemplo, bem como conversas por texto e vídeo, além de acesso a todos os recursos da internet. Com esta evolução, somada às demais evoluções tecnológicas dos últimos anos, muitos e muitos dados são transmitidos e armazenados sobre você nos bancos de dados das empresas.
A tecnologia avançada e a coleta de dados cada vez maior apoiaram e ainda apoiam o desenvolvimento constante e a evolução rápida da IA como base para soluções comerciais, a ponto de torná-la cotidiana. Isso mesmo! Hoje utilizamos recursos de reconhecimento facial, análise de perfil e recomendação de filmes e músicas pelo nosso histórico de utilização. Tudo isso é IA. Aliás, este último exemplo, das recomendações super personalizadas, tem gerado muita preocupação entre pesquisadores, com muitos deles afirmando que vivemos numa “ditadura dos dados”, em que algoritmos podem estar nos privando de conhecer outras visões de mundo, bem como direcionando decisões baseando-se em interesse de outras pessoas. Vamos deixar esse assunto para uma nova conversa, mas para quem gostaria de saber um pouco sobre essa temática, indico o documentário da Netflix chamado “O Dilema das Redes”.
O Open Finance e a Inteligência Artificial
Em linhas gerais, o Open Banking (hoje tratado no Brasil como Open Finance) é um movimento que procura empoderar o cliente bancário com os seus dados financeiros, permitindo que se tenha uma visão única da vida financeira de uma pessoa, como uma linha do tempo, independentemente da sua instituição financeira. A disponibilidade de dados, combinada com análise aprofundada, permitirá que as instituições ampliem suas ofertas para os seus clientes, ofertas estas que vão desde ajudá-los a melhorar sua gestão de dinheiro até fornecer ideias sobre como gastá-lo melhor.
As instituições financeiras (IFs) (que são reguladas pelo Banco Central do Brasil – BACEN) podem fazer uso desses dados desde que o cliente dê o seu consentimento. Aqui fica bem claro o empoderamento do cliente e titular do dado, sendo possível que ele compartilhe todo o seu histórico com uma nova IF, permitindo que ela possa conhecê-lo melhor e fornecer ofertas que façam sentido para o seu momento. O Open Finance também busca externalizar serviços das IFs de forma que não só os dados sejam facilmente intercambiados, mas também que os produtos contratados possam ser renegociados e portabilizados sem muito esforço. Isso representa um mar de oportunidades para as IFs enquanto produtos e serviços e, para o cliente (que é o centro desse movimento), a possibilidade de receber melhores ofertas, gerando assim uma maior competição entre todo o setor.
Percebe-se que o Open Finance representa hoje uma infraestrutura de dados e serviços financeiros que podem ser operados por IFs reguladas pelo BACEN com o consentimento dos clientes (titulares dos dados). Essa infraestrutura é a base para a construção de uma camada de inteligência em que as instituições devem desenvolver. Empresas como a Akropoli (www.akropoli.tech) possuem experiência no tratamento dos dados do Open Finance, disponibilizando soluções de gestor financeiro (PFM) com insights para os clientes e módulos de inteligência para a IF.
O compartilhamento de dados no contexto do Open Finance combinado com a IA pode melhorar a eficiência das operações e da tomada de decisões por meio de processos automatizados e autônomos e da criação de insights personalizados. No contexto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e das regras do BACEN que regulam a disponibilidade e acessibilidade de dados na era do Open Finance, o impacto da IA nos serviços financeiros pode ser visto em três áreas estratégicas: processos, produtos & serviços e mercados. Nestas áreas, ela pode servir para criar operações mais enxutas e rápidas, bem como produtos e serviços personalizados. Mas ela também pode ser usada de forma colaborativa para criar um sistema financeiro mais seguro, justo e eficiente, identificando padrões e possibilidades que cruzam as fronteiras institucionais, por exemplo.
A Inteligência Artificial e o ChatGPT
Voltando aos pontos iniciais deste texto, percebemos que, atualmente, as principais dificuldades relacionadas com infraestrutura computacional (poder de processamento) e disponibilidade de dados para geração de inteligência fazem parte de uma etapa já superada e, com base nisto, você pode estar se perguntando: “a IA realmente evoluiu ou continua limitada?”.
Como também já mencionado, a IA já faz parte do nosso cotidiano, em nossos celulares, nas plataformas de conteúdo que acessamos na internet, em nossos carros, casas e numa infinidade de dispositivos. Recentemente uma aplicação, em especial, vem ganhando espaço nos principais jornais e portais de notícias, o chamado ChatGPT, que é uma aplicação de processamento de linguagem natural com modelos para diálogo. Essa tecnologia foi desenvolvida pelo laboratório OpenAI, que é subsidiado por uma empresa chamada OpenAI LP, organização que foi fundada em 2015 por Elon Musk, Sam Altman, entre outros. Essa empresa recebeu um aporte bilionário da Microsoft em 2019 e, em janeiro de 2023, mais um aporte de 10 bilhões de dólares também da Microsoft.
ChatBots e assistentes pessoais não são recursos novos em nossas vidas. Então o que faz o ChatGPT ser tão especial? Quem teve a oportunidade de interagir com essa tecnologia fica impressionado com a capacidade de respostas que o modelo possui, não só em nível de perguntas e respostas simples, mas com a possibilidade de ter a aplicação como apoiadora direta na construção de textos, artigos, justificativas, e até na construção de códigos em linguagens de programação como Java e Python. É impressionante a potencialidade de inovação que o ChatGPT pode prover para empresas que querem tornar as suas aplicações mais inteligentes. Se você ainda não conhece a ferramenta, sugiro dar aquela olhadinha para conhecer mais de perto o seu potencial.
Open Finance e o ChatGPT juntos? Por que não?
Entendendo que o Open Finance dispõe de uma infraestrutura de dados e serviços para os clientes de instituições financeiras, e que no seu núcleo existe a filosofia do “open”, não é loucura imaginar uma sinergia entre Open Finance e de modelos como ChatGPT para apoiar os clientes no entendimento das suas finanças, dando dicas e fazendo operações (assistidas ou não) para garantir uma maior saúde financeira.
O impacto das tecnologias cognitivas está crescendo, pois seu desempenho melhorou muito nos últimos anos, possibilitando o surgimento de análises avançadas de dados e tecnologias, bem como uma explosão no uso de algoritmos complexos. Os próximos anos serão inspiradores e desafiadores para todos os envolvidos nessas áreas, mas é certo que vem muita evolução por aí.
Se a ideia é trabalhar com a chamada hiperpersonalização, a aplicação de estratégias e tecnologias que permitem customizar a experiência do cliente ao máximo, atuando na jornada de compra em tempo real, é fato concreto que a IA fará ainda mais parte das nossas vidas diárias, presente nas aplicações mais simples e nas mais complexas, nos ajudando a tomar decisões cada vez mais rápidas, precisas e assertivas.
Por Flávio Ceci, Doutor em Engenharia do Conhecimento e participante de projetos na área de inteligência artificial, BI e desenvolvimento de software há mais de 20 anos; autor de livros nas áreas de Inteligência Artificial, Business Intelligence e Big Data; professor adjunto em cursos de graduação e pós-graduação da área de tecnologia há mais de 12 anos; um dos fundadores e apoiador da Akropoli, board member da DataforAll e consultor nas áreas mencionadas.